Uma das cenas mais comuns atualmente é ver as pessoas absortas ao
celular, passeando pelas páginas do Facebook, conferindo emails
constantemente, desconectados do mundo real a seu redor. Qual seria a
medida que separa o uso constante da internet do vício e da compulsão?
A dependência de internet preocupa pais e profissionais da saúde. Na
Coreia do Sul, por exemplo, o governo considera o exagero no uso da
internet como problema de saúde pública grave e estima que 210 mil
crianças e adolescentes (2% do total de jovens) precisam de tratamento
específico, que inclui psicoterapia e até medicação.
Alguns psiquiatras sugeriram a inclusão do vício em Internet no DSM-V,
última atualização do Manual de Diagnóstico das Doenças Mentais, também
conhecido como uma “bíblia” da psiquiatria. A alteração não foi acatada.
Indo para a área psicológica, o uso excessivo da internet é considerado
sintoma, manifestação de problemas psicológicos mais enraizados,
chamados basais.
Ansiedade e aflição
Zygmunt Bauman (1), sociólogo polonês referência na reflexão da
modernidade, considera os tempos atuais como a Era da Ansiedade. O
excesso de possibilidades e a vertiginosa velocidade com que as
informações são atualizadas tem a angústia como efeito colateral.
“Modernidade líquida” é o termo cunhado por Bauman para designar o
espírito dos tempos atuais. O mar de estímulos e de informações
proporcionados pela internet é uma das facetas mais características do
espírito dos tempos atuais.
Excesso de atividade online pode levar a estados de aflição doentios,
pois a maré contínua de informações que o mundo online provê supera a
capacidade humana de processamento.
Abuso é sintoma de um distúrbio psicológico
Abuso de internet não é considerado doença pelos médicos. É um sintoma
de problemas psicológicos já instalados. O mesmo ocorre com televisão e
videogame. O vício em internet é uma compulsão como jogar e beber, um
sintoma, uma manifestação de algum distúrbio psicológico de base.
Por ser uma ferramenta relativamente nova, é normal que várias
suspeitas sobre o uso da rede fiquem no ar. Por que ficar 16 horas
online é diferente de passar o mesmo tempo lendo? A reflexão está não
apenas no quanto, mas para que o lugar que a rede ocupa na subjetividade
de cada um.
Como tratar
Na ausência de algum desequilíbrio mental mais sério, o abuso de
internet pode ser tratado com terapia breve, indicada para resolução de
problemas focais. Este tipo de terapia trabalha apenas um problema, sem
se aprofundar em outras questões. É feita em um número de sessões
predeterminadas e com objetivo também definido de antemão. Não visa
trabalhar profundamente a personalidade.
Há casos que requerem cuidados mais prolongados. É quando a compulsão,
inclusive por internet, interfere no cotidiano e na vida social da
pessoa. Nestes casos, a suspeita é de transtornos depressivos e de
ansiedade, por sinal, muito comuns em viciados em jogos. Se realmente
constatado o distúrbio, psicoterapia é o indicado, inclusive por
psiquiatras. Somente nos casos mais graves há necessidade medicação em
paralelo à terapia.
Viver em rede foi sempre aspiração humana. O Facebook faz online aquilo
que nossos antepassados faziam nas rodas em torno da fogueira:
atualizar-se sobre as notícias da tribo. É possível dizer que as
escritas das pirâmides egípcias são bem parecidas com os sites de hoje:
imagens e letras em uma tela disponível para todos e para sempre. Entre a
tábula dos dez mandamentos e o iPad, mudaram a dinâmica e a tecnologia,
já as aspirações, não.
O bom e o mau uso da internet
O mau uso da internet existe, portanto, mas vale a avaliação caso a
caso. Passar dias na rede estudando para concursos não é doença, pode
ser necessidade. Isto sem falar em quem trabalha diretamente com a
internet.
Dispersão x atenção
A dispersão é um efeito colateral da internet combatido por escolas e
empresas, muitas delas restringem o uso de celular nas salas de aula e
durante o expediente. Por outro lado, as novas gerações demonstram
alguma adaptação cognitiva aos novos tempos. Entrevistas com primeiros
colocados nas melhores universidades brasileiras apontam nesta direção:
os estudantes dizem que ouviam música, viam TV ou liam atualizações nas
redes sociais enquanto se debruçavam sobre algoritmos e mitocôndrias.
Mundo real x virtual
Priorizar as relações virtuais ao contato presencial com pessoas é um
dos sintomas que os pesquisadores usam para identificar um possível
vício em internet.
No campo afetivo, os benefícios da
rede são incontestáveis: as agências de namoro virtual com foco em
grupos específicos se consolidaram. O número de casamentos iniciados
online cresce, para a felicidade dos tímidos, grandes beneficiados por
esse tipo de agenciamento. Pessoas com preferências semelhantes buscam
seus iguais, familiares e amigos distantes têm recursos de vídeo para
manterem contato. Em alguns presídios, o Skype é ferramenta de
ressocialização.
As carências humanas não mudaram com a Internet. A necessidade de
inclusão em algum grupo social e de alívio para a solidão permanecem.
Nesse sentido, as redes sociais atuam como paliativo, mais ainda nas
cidades grandes, onde é mais fácil ter uma comunidade virtual do que
pertencer a algum grupo que frequentemente se encontre.
Comunidades virtuais não substituem a necessidade humana de contato
pessoal. Conviver não se aprende online, implica em negociar
preferências, há perdas e ganhos. Bauman, em entrevista ao programa
“Fronteiras do Pensamento”, acredita que boa parte do sucesso do
Facebook está na facilidade de se excluir, e não na inclusão, um amigo
virtual. Completa dizendo que romper com alguém na vida real pode
envolver dor, mentiras e culpa.
A solidão das grandes cidades
Cada vez mais pessoas moram sozinhas nas metrópoles e o tempo para
convívio em grupo é raro. As atividades são realizadas em espaços
fragmentados geograficamente. As comunidades virtuais são o caminho mais
fácil para o desejo humano de conexão, o mesmo que formou as primeiras
tribos, comunidades e, por fim, as grandes cidades. O sucesso das redes
sociais com os mais distintos objetivos só ocorre por coincidir com o
desejo de pertencimento. O Facebook não cresceria sem demandas sociais.
Escapar à solidão é uma delas.
O isolamento é um das principais causas do adoecer psíquico e aí mundo
virtual encontra mercado amplo na impossibilidade de encontro humano.
Paradoxalmente, a internet conecta digitalmente, ao mesmo tempo em que
mantém a distância física, a fragmentação, mantendo o problema da
carência inalterado.
Alternativas
O imediatismo do mundo online não coincide com as necessidades da vida
real. Não há saúde psíquica que dê conta da ansiedade de ler as
atualizações de centenas de amigos virtuais, contínuas.
A reflexão sobre o uso compulsivo da internet recai sobre o papel do
mundo online na vida de cada um, da negação de contato com o mundo real e
de possíveis problemas psicológicos de base. Mesmo que através de
terapia, o questionamento passa pelo contato pessoal. Pela inserção de
uma outra pessoal real no cotidiano do sujeito.
Dicas para evitar o vício em internet
A psicóloga comportamental Kimberly Young é considerada referência nas
consequências do mau uso da internet para a saúde mental. Em seus
estudos, ela aponta algumas medidas para evitar que a rede tome lugar
excessivo na vida da pessoa.
A primeira medida é praticar o oposto, ou seja, tentar relacionar-se
com pessoas no mundo off-line. Outra medida, no caso da leitura
compulsiva de e-mails antes do café da manhã, por exemplo, é determinar
metas e horários. Interromper a rotina online disfuncional é
fundamental. Um sintoma que pode indicar vício em internet, segundo
Kimberly Young, é verificar emails e atualizações das redes sociais
antes do café da manhã.
Usar os finais de semana para atividades sociais offline é outra
sugestão. A abstinência da internet favorece outros aspectos da vida.
Muita gente não percebe o tempo que a internet ocupa em suas vidas, daí a
estudiosa sugerir que inventários pessoais, ou seja, a reflexão apurada
dos hábitos cotidianos, possam ser úteis na identificação de potenciais
malefícios do mundo online na vida de cada um.
Young indica ainda terapia pessoal e familiar, além da participação em
grupos de apoio como medidas para os que suspeitam estar com a vida
comprometida pelo uso abusivo da internet.
Ainda não inventaram um equivalente virtual ao beijo, ao abraço, à serenidade de estar em companhia de alguém que amamos.
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NAMU